A alfândega é uma instituição que tem como finalidade a arrecadação de tributos relativos à entrada e saída de mercadorias e a fiscalização do comércio exterior (Fernandes, 2021: 16), dado que para se importar ou exportar qualquer gênero era necessário a passagem pelos serviços aduaneiros. A etimologia da palavra, segundo o frade franciscano Joaquim Santa Rosa de Viterbo, vem dos árabes, que chamavam alfandequa uma grande hospedaria ou estalagem onde os comerciantes estrangeiros se recolhiam (Viterbo, 1865: 54) e lhes eram cobrados os direitos reais relativos as mercadorias que traziam consigo (Lancastre, 1891: 1). Seus objetivos eram, além da visita e controle tal qual era adotado nas fronteiras terrestres, o recolhimento dos direitos aduaneiros como a dízima da alfândega, que correspondia a dez por cento sobre o valor atribuído aos itens, a aferição dos navios e hipotecas marítimas e, ainda, a verificação dos manifestos de bordo realizados nas chegadas e partidas de navios (Fernandes, 2019: 14).
Desde cedo, o sistema alfandegário desempenhou um importante papel na legitimação do poder real, pois a instalação de postos de cobrança de tributos indicava o controle do poder político sobre um determinado território. Responsável por uma valorosa fonte de receita para o Estado, contribuiu a favor da consolidação do poder deste, sendo os seus rendimentos indispensáveis para o funcionamento da sua máquina administrativa (Sá, 2016: 116). Além disso, os tributos sobre o comércio resultaram em uma forma eficiente de arrecadação fiscal e também os menos sentidos pela população e setor produtivo (Magalhães, 1997: 100). Em Portugal, no século XVI, observa-se uma estrutura aduaneira uniforme e harmônica que deveria ser reproduzida em todo o Império, assegurada por oficiais régios que obedeciam às leis gerais, as práticas da Fazenda Real e aos instrumentos legislativos específicos das alfândegas (Pereira, 1983: 9).
Logo nos primeiros anos do governo filipino, após a união das Coroas ibéricas, foram apresentadas medidas que visavam ajustar os mecanismos de controle político e econômico e adequar a gestão financeira aos novos tempos que se estabeleciam. Um dos objetivos dos Habsburgo em relação à área fiscal era estabelecer formas mais ágeis e adequadas com a finalidade de homogeneizar e centralizar a cobrança de tributos. Na esteira dessas mudanças, foi apresentado um novo Foral para a Alfândega de Lisboa, no ano de 1587, que se constituiu como parâmetro para estruturação e funcionamento de todas as demais do reino e da América lusa. Substituiu o anterior, que estava defasado devido à evolução do comércio e à abertura de novas rotas comerciais com as Índias orientais e ocidentais (Sá, 2016: 40). Essas rotas ocasionaram um aumento na movimentação aduaneira em Portugal e os capítulos do antigo foral, que se encontravam desatualizados, acabavam gerando ausência de clareza no que dizia respeito à aplicação das normas e na própria administração aduaneira (Sá, 2016: 40). Nesse sentido, com o intuito de aperfeiçoar a administração das alfândegas, o rei dom Filipe II ordenou ao vedor da Repartição do Reino, aos juízes e aos oficiais por ele nomeados que organizassem um novo foral, com vistas à melhor arrecadação dos direitos alfandegários e ao maior controle em relação aos despachos das mercadorias (Sá, 2016: 118). O rigor fiscal que se pretendia implantar estava expresso já no primeiro capítulo, na medida em que foi determinado que qualquer embarcação, tanto de naturais do Reino, quanto de estrangeiros, mesmo que em caso incidental, deveria se dirigir ao porto no qual houvesse alfândega (Sá, 2016:121). Tal determinação não se restringia aos navios mercantes, sendo estendida aos navios de guerra. O foral também previa punições, como multas, aos proprietários de estabelecimentos que recolhessem e armazenassem mercadorias descarregadas ilicitamente de quaisquer embarcações.
Não só o Foral da Alfândega de Lisboa foi utilizado para regular a atuação dos oficiais e os procedimentos aduaneiros, pois as Ordenações Filipinas, criadas pelos Habsburgo, também serviram, em seu Título 52 do livro primeiro, para esta finalidade, uma vez que tratava das atribuições do cargo de Juiz ouvidor da alfândega. Essa compilação jurídica aspirava ajustar o ordenamento jurídico para a realidade política, social e econômica que se desenhava no reino em consequência das transformações ocorridas ao longo do século XVI, como a intensificação da movimentação comercial em razão da exploração colonial. Tanto em Portugal quanto em suas conquistas, a Alfândega tinha uma estrutura interna hierarquizada, sendo os principais oficiais o juiz ouvidor, o tesoureiro e almoxarife. Funcionava ainda como um tribunal, já que era responsável por julgar ações que envolvessem os homens do mar. Segundo as Ordenações Filipinas, cabia ao juiz da alfândega conhecer as ações cíveis propostas por quaisquer mercadores ou comerciantes, tanto naturais como estrangeiros, sobre quaisquer tratos e mercadorias, pagamentos ou entregas delas, e ainda sobre possíveis dúvidas referentes acerca de tratos e mercadorias. Era também da sua competência apreciar as ações, tanto cíveis quanto criminais, dos oficiais aduaneiros e ainda promover a devassa para apurar possíveis delitos cometidos nas dependências da alfândega. De acordo com a legislação, este oficial deveria decidir sobre todos os malfeitos ali cometidos, procedendo contra os culpados, que podiam apelar de suas sentenças à Casa da Suplicação (Código Philippino, 1870: 96).
Na América portuguesa, as alfândegas foram instituídas juntamente com o governo-geral e a provedoria-mor da Fazenda. Pelo Regimento dado a Antônio Cardoso de Barros (1548), ficava determinado a implantação do aparelho fiscal no ultramar com normas destinadas também aos provedores das capitanias, instituindo assim uma estrutura verticalizada. Para auxiliá-los, contavam com os almoxarifes, escrivães, meirinhos, guardas. Os principais portos que estabeleciam comércio com a Europa, localizados nas capitanias do Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco tiveram casas alfandegárias para onde necessariamente deveriam se dirigir as embarcações oriundas da Europa ou de outros continentes, com suas mercadorias. Embora cada capitania guardasse suas especificidades locais, em linha geral o despacho e os procedimentos obedeciam aos mesmos parâmetros. Seus oficiais eram providos pelo Rei podendo os governadores o fazerem em seu nome, mas somente em casos excepcionais como impedimentos ou falecimento, até que a nomeação definitiva fosse efetivada pelo monarca (Sá, 2016: 145). A ocupação de um cargo nesta instituição conferia ao seu ocupante não só status, mas a possibilidade de participação no comércio o que poderia gerar lucros excepcionais.
FONTES
Código Philippino ou Ordenações e Leis do Reino de Portugal, por Candido Mendes de Almeida (1870) Rio de Janeiro, Typographia do Instituto Philomáthico.
BIBLIOGRAFIA
Fernandes, V. (2021). A formação e a consolidação das diretrizes alfandegárias no Brasil colonial: Rio de Janeiro (séculos XVI-XVIII). Revista do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, 182,485, 15-38.
Lancastre. F. S. (1891). As portagens e as alfândegas em Portugal (séculos XII a XVII). Lisboa: Imprensa Nacional.
Magalhães, J. R. (1997). A Fazenda. En: Mattoso, José. História de Portugal: no alvorecer da modernidade (1480-1620). Lisboa: Estampa.
Pereira, J. C. (1983). Para a história das alfândegas em Portugal. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa.
Sá, H. C. T. (2016). A alfândega do Rio de Janeiro: da União Ibérica ao fim da Restauração (ca. 1580-ca.1668). (Dissertação de Mestrado). Rio de Janeiro: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
Viterbo, J. S. (1865). Elucidário das palavras, termos e frases que em Portugal antigamente se usavam. Lisboa: Editor A.J. Fernandes Lopes.
Helena Trindade de Sá (Universidade Federal do Estado de Rio de Janeiro)