Nascimento: Segunda metade do século XVI, Amberes
Falecimento: Primera metade do século XVII
Comerciante holandês que esteve na América Portuguesa em várias ocasiões. Sua atividade individual se desenvolve em São Vicente e sua atividade coletiva em Salvador de Bahia com seus sogros.
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Manoel van Dale (Vandale) nasceu em Amberes (Antuérpia), Flandres, na segunda metade do século XVI. Era membro de uma importante família de negociantes que se estabeleceu nas Canárias em meados do século XVI (Brito, 2012). Instalou-se na Bahia no final da década dos 1580 e ali contraiu matrimônio com Magdalena Holsquor, tornando-se cunhado de Evert Hulscher, nome que foi aportuguesado para Duarte Osquer, importante comerciante de açúcar, dono de navios e de pelo menos um engenho em Itaparica, Bahia que, destruído pelos ingleses no ataque de 1599, foi reconstruído por ele para ser novamente queimado em 1627-8 (Campos Moreno, 1612; Salvador [1627], 1982). Holsquor estava bem assentado na cidade de Salvador onde era casado com Violante Deça ou de Sá, neta do primeiro tesoureiro da Bahia, João de Araújo de Souza (Doc. Hist, XIV; 121), e sobrinha, portanto, do Manuel de Sousa Deça, provedor e contador da fazenda na Bahia (Calmon:1985, 537). Além desses contatos com a elite local, Holsquor fazia comércio com Buenos Aires, e dali com Córdoba e com o Alto Peru, através de conexões com o comerciante e contrabandista português Diego Lopez Lisboa. Os Hulscher estruturaram sua influência na política colonial com uma ampla e importante rede familiar de comerciantes, com representantes em Olinda, Lisboa, Antuérpia e Hamburgo. Um irmão de Evert, Johan, foi representante dos Schetz em Lisboa e intermediou a compra de um engenho de açúcar, conhecido como engenho de São Jorge dos Erasmos, na Capitania de São Vicente, Brasil, na década de 1550. De igual modo, outros dois irmãos do Evert, Adam e Henrique, faziam o mesmo em Amberes, comercializando pau-Brasil em navios do Hans Schot (c. 1591) (Kellebenz, 1968; Stols, 1973).
Através da sua amizade e relação familiar com Evert, Vandale entrou nos circuitos comerciais e políticos do Brasil. Em Salvador, onde residiu até 1605, Vandale tinha um caixeiro, Henrique Pamelaert, que foi testemunha em processo de inquisição na Bahia em 1599, contra Pieter Cornelius (Stols, Fonseca, Manhaeghe, 2014). Pamelaert fazia negócios com pau-brasil desde o Rio de Janeiro. Em 1606, Manoel Vandale foi obrigado a retornar a Lisboa em função da expulsão ordenada por Felipe III, que através de alvará expedido em março de 1605, dava o prazo de um ano para que qualquer estrangeiro que vivesse no Brasil voltasse à Península.
Pouco depois de chegar em Madrid, Vandale faz uma petição ao Conselho de Portugal para poder retornar ao Brasil e encontrar a esposa, Magdalena, que continuou a viver na Bahia, sem “embargo da lei” (AGS, SP, 1476, fls 406-408). Os Holsquor tinham sido aceitos como estrangeiros dos quais ‘não se pode ter suspeita’ (Liv. 1 do governo do Brasil, doc. 46, fol. 222) e Vandale pedia para ser dado também como “natural”. O Conselho remeteu a demanda ao Vice-rei e ao Conselho da Índia de Portugal, já indicando que Vandale se dirigia a Lisboa e pretendia ir ao Brasil acompanhando o recém nomeado governador da Repartição Sul, D. Francisco de Souza, como “morador y poblador de las minas del Brasil y lengua de los mineros estrangeros” (BA, 51-VII-15, fl.157).
O Conselho da Índia analisou o caso em julho de 1607, decidindo por indeferir depois de receber um papel anônimo, desses que “são providenciais e enviados por Deus”, apontando as “más intenções” de Vandale, que foi acusado de pretender chegar ao Brasil e, com seu cunhado, um tal Fulano Artosco, “mercador grande”, avançar terra adentro com seus escravos e ir de engenho em engenho para levantar escravos contra seus amos e demais brancos e assim ganhar o Estado do Brasil. O parecer foi de que ele fosse “apertado” para confessar (AGS, SP, 1476; BA 51-VII-15, fls 182-183).
De todo modo, Manoel Vandale foi ao Brasil mesmo proibido, como informa carta do governador Diogo de Meneses ao rei (22/04/1609), na qual comunica, dentre outras coisas, que estava remetendo preso a Lisboa ao tal Vandale conforme provisão real (Cortesão, 1956: 3-12). Segundo Afonso Taunay (1929), baseado em Varnhagen, Vandale embarcou no navio do capitão Jaques Postei, que partiu de Dieppe em 1608, e foi tomado no Cabo Frio por Martim de Sá. Na ocasião, Francisco Duchs, que mais tarde seria um dos capitães na tomada de Salvador em 1624, teria sido remetido ao governador geral, Diogo de Meneses, mas Vandale teria fugido. O seu envio à Lisboa em 1609, contudo, indica que Vandale também foi aprisionado naquela ocasião e remetido à Bahia.
De volta a Lisboa, Manoel Vandale aparece novamente em registro de carta com consulta do Conselho da Índia de julho de 1610. O Conselho da Fazenda acatou o parecer do Conselho da Índia, mas sem explicitar a causa da consulta. (AGS, SP, 1498). Segundo Paul Meurs (2006) e Stols e Cordeiro (2012), em 1612 Vandale reaparece na vila de Santos, na Capitania de São Vicente, como representante dos herdeiros da família Schetz para, em aliança com os padres jesuítas, tentar impedir a venda dos bens do antigo Engenho dos Erasmos, que estavam sendo negociados pelos herdeiros do capitão-mor Jerônimo Leitão, através do provedor dos ausentes.Kellenbenz (1968) transcreve uma procuração da viúva Anna van Pelquen, feita em cartório de Antuérpia, em novembro de 1614, e na qual Vandale apareceu como testemunha. Neste documento, a viúva delegou a Pedro Tacq (Taques), morador em São Paulo, na Capitania de São Vicente, e que fora secretário do governador geral Francisco de Souza, que cobrasse uma dívida de uma negra da Guiné e seus filhos, que seria de direito sua herança, de outro morador da Capitania, Giraldo Bethinque. Este autor ainda indica a presença de Vandale em Lisboa, em 1615.
Segundo Eduardo D´Oliveira França (1970), Vandale foi um dos personagens de origem flamenga que teria atuado como cúmplice e aliado dos holandeses por ocasião da tomada da Bahia, em 1624. Isso talvez explique a sua ida para as capitanias do sul depois da retomada de Salvador, no ano seguinte. Em outubro de 1626, Vandale, padecendo de uma “enfermidade que o senhor foi servido dar-me”, ordenou seu testamento na vila de São Paulo de Piratininga. Ali, e através do inventário de seus bens, feito poucos meses depois, já em 1627, faz-se saber que Vandale tinha três filhos, Maria Vandale, de doze anos, João, de sete e Francisco, de cinco; que desejava ser enterrado na igreja de Nossa Senhora do Carmo, da mesma vila; e que pertencia à Confraria do Santíssimo Sacramento em São Paulo. A esposa, Magdalena, letrada e apresentada como “mulher nobre e de qualidades” ficou como curadora das crianças. Manoel era dono de um sítio em São Paulo, e possuía muitas roupas, tecidos, caixas, baús e um escritório; couros para cadeira de estado, colchão, arrobas de açúcar, e equipamentos de roçado. Possuía uma “moleca do gentio de Angola”, e cinco “peças forras”, do gentio da terra. Mas o que chama a atenção em seu inventário são os devedores, alguns deles da própria vila de São Paulo, como Pedro Taques, que já havia sido responsável por cobrar dívidas suas; e outros em Bahia e Portugal. Estas últimas estavam em poder de Jerônimo Glocens (Goossens), que fora agente dos Schetz em Lisboa no começo do século XVII, e havia atuado no Brasil como comissário do comerciante instalado em Veneza, Carlos Hellemans; e de Johan van der Veken, um dos comerciantes mais ricos de Roterdã (Brasilhis). As dívidas na Bahia ficariam uma parte com a esposa, e a outra com Balthazar Ferreira. (Inventários e Testamentos, 1927: 41-57).
FONTES
AESP (1927). Inventarios e Testamentos. Vol. VII. São Paulo: Departamento do Arquivo do Estado de São Paulo, p.41-57.
AGS, Archivo General de Simancas, Secretarias Provinciales, Libro 1476, fólios 406-408
AGS, Archivo General de Simancas, Secretarias Provinciales, Libro 1498 (Registro de Cartas de V.M de 1608-1611), f.99v
BA, Biblioteca D’Ajuda, Códice 51-VII-15, f.157.
BA, Biblioteca D’Ajuda, Códice 51-VII-15, f.182-183.
BA, Biblioteca D’Ajuda, Códice 51-VIII-18, f.213v.
Carta de Diogo de Meneses de 22 abr. 1609. In: Cortesão, Jaime (comp.) (1956). Pauliceae Lusitana Monumenta Historica (1494-1600). Vol.1. Lisboa. Real Gabinete Português, p. 3-12.
Salvador, V. (1982). História do Brasil (1627). São Paulo, EDUSP.
Documentos Históricos da Biblioteca Nacional, vol. 14 (Mandados, Provisões, Doações), 1551-1625, Rio de Janeiro, 1921.
BIBLIOGRAFIA
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REFERÊNCIAS WEB
Meurs, Paul (2006). Engenho São Jorge dos Erasmos, the remains of an early multinational. Vitruvius. Revista Arquitextos, 6 (27 de abril de 2021). Recuperado em:
http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq070/arq070_03.asp
Irene Vicente Martín (European University Institute) & José Carlos Vilardaga (Universidade Federal de São Paulo)