Pau brasil

O pau-brasil, classificado pelos botânicos no gênero caesalpinia foi encontrado em abundância na parte mais oriental do continente americano (Varnhagen, 1877:1) pelos portugueses tão logo chegaram em 1500. Esse tipo de madeira não era totalmente desconhecido pelos europeus uma vez haver no oriente a Caesalpinia sappam lam que possuía a “mesma função tintorial para tecidos de lã, seda e algodão” (Rocha, 2004:24).

Respaldados pelo princípio jurídico do mare clausun, doutrina que concedia a posse aqueles que se lançavam a descoberta de mares, a posse sobre as terras no novo continente no ultramar foi confirmada pelo determinado pelo tratado de Tordesilhas (Siqueira, 2011: 75). Tal árvore, espalhada por larga parte da costa brasileira, do Rio de Janeiro ao Rio Grande do Norte penetrando ainda um pouco pelo sertão, além de nomear a conquista que ficou conhecida como Terra do Brasil ou apenas Brasil, logo foi explorada, uma vez podia alcançar preços altos na Europa (Schwarcz; Starling, 2015). Originalmente chamado pelos índios Tupi que habitavam a costa de ibirapitanga, a espécie alcançava a altura de quinze metros e apresentava troncos, galhos e vagens cobertos por espinhos. Sua madeira era muito utilizada na construção de móveis finos e do seu interior era extraído uma resina avermelhada que era usada como corante para tecidos, conhecido por diferentes nomes tais quais: brecillis, bersil, brezil, brasil, brazily ((Schwarcz; Starling, 2015). Como ainda não existia anilinas artificiais para tingimentos de tecidos, seu pigmento era excelente para tingir panos de lã e sedas e se fazer dela outras pinturas como atestavam os cronistas da época (Siqueira, 2011: 75). Sendo assim, o comércio do pau-brasil foi a principal atividade econômica desenvolvida pelos aventureiros navegantes lusitanos desde a chegada de Pedro Alvares Cabral até cerca de 1530.

Os atrativos desse negócio resultaram desde cedo nas primeiras disputas pelo litoral, neste caso, pelos portugueses e franceses (Vainfas, 2000: 472) que traficavam intensamente na costa brasileira. Era uma exploração rudimentar, que segundo Caio Prado Júnior, não deixou “traços apreciáveis, a não ser destruição impiedosa e em larga escala das florestas nativas de onde se extraía a preciosa madeira” (Prado Junior, 1994:25). Os traficantes contavam com os índios que tiveram uma participação importante, já que eles cortavam as árvores, depois as transformavam em toras de um metro e meio e que podiam pesar até trinta quilos cada uma e as conduziam para os navios (Vainfas, 2000: 472). Diante da possível lucratividade com a exploração do produto, desde cedo a Coroa portuguesa transformou a extração do pau-brasil como monopólio real. Para se dedicar a atividade, era necessária a autorização do monarca sendo esse sistema empregado por Portugal em elação a todas as atividades comerciais ultramarinas (Prado Júnior, 1994: 26). O arrendamento foi feito por ricos comerciantes portugueses, geralmente cristãos-novos pelo período de três anos, e em 1504, por Fernando de Noronha. Tinham por obrigação custear as despesas com a empreitada, construindo fortes e enviando navios para a exploração e para isso gozavam de isenção de imposto real no primeiro ano do contrato e ainda abatimentos nos anos seguintes, devendo pagar apenas um sexto do tributo real no segundo ano e um quarto no terceiro ano (Siqueira, 2011:76). Apesar de todas essas benesses feitas aos contratadores, a Coroa ainda contabilizou lucros com os contratos. De 1500 a 1532 esta forma de exploração parece ter sido lucrativa para a Coroa lusa. A título de exemplo no ano de 1506 pode-se contabilizar uma receita de quatro mil ducados como arrendamento do monopólio, pela retirada de vinte mil quintais de pau-brasil (Siqueira, 2011: 76). Contudo, com o passar do tempo a atividade deixou de ser lucrativa para ambas as partes em razão do acirramento da presença de estrangeiros que invadiam a terra para contrabandear os troncos da madeira em razão da cotação sempre alta do produto no mercado estrangeiro. A exploração desenfreada teve como consequência a devastação das florestas. Com o estabelecimento das capitanias hereditárias o rei delegou poderes aos donatários que tinham como atribuições estimular a ocupação da terra, o desenvolvimento da lavoura e do comércio.

Na carta de doação entregue a Duarte Coelho existia orientações de como administrar a capitania e em relação ao pau-brasil determinava que o produto não podia ser comercializado e explorado sem a prévia autorização real. Manifestava-se no texto do documento a preocupação da metrópole em perder o negócio para os contrabandistas e também com a preservação das florestas na colônia ao estabelecer uma quantidade a ser retirada, o cuidado com o corte da madeira para permitir a recomposição do vegetal e a proibição de queimadas que impediriam as árvores de brotarem novamente (Siqueira, 2011: 80). Ainda no século XVI, o sistema de capitanias hereditárias foi substituído pelo governo-geral, mas não houve muita diferença no que dizia respeito a extração do pau-brasil. No artigo 34 do regimento dado a Tomé de Souza o tema foi tratado. Reafirmava-se, porém, a propriedade do rei sobre a madeira, fixando a competência ao provedor-mor da Fazenda Real para conceder as pessoas o direito a exploração da atividade extrativa.

No início do século XVII, com Coroa portuguesa sob a égide da monarquia espanhola no que ficou conhecido como União Ibérica e durante o reinado de D. Filipe III da Espanha (1598-1621), em razão do estado precário das florestas de pau-brasil, foi elaborado durante o governo de Diogo de Botelho (1602-1608), o Regimento do pau-brasil que era uma legislação que visava reverter os danos causados pelos exploradores e de assegurar a manutenção do lucro proveniente da extração e comercialização pela Coroa. Logo em seu primeiro artigo ficava estabelecido que nenhuma pessoa podia cortar, nem mandar cortar, o dito pau-brasil por si, ou seus escravos ou feitores sem a expressa licença por escrito do provedor da Fazenda Real de cada capitania. Essa licença seria concedida a pessoas probas que não possuíssem nenhuma suspeita de prática de descaminhos. Diferentemente do que havia sido estabelecido até então, no Regimento do pau brasil o rei ordenou uma melhor avaliação por parte das autoridades locais para a efetivação da exploração. Nesse sentido, orientou que caberia ao provedor a decisão sobre quem receberia a concessão. Além disso, limitou o prazo de exploração. O objetivo era acabar com a exploração desenfreada da madeira no litoral e para isso foi imposta a divisão igualitária do corte de acordo com a quantidade e as possibilidades dos moradores locais, a obrigatoriedade de registro em livro específico dos contratados, a escolha do local a ser explorado e ainda a estimativa da quantidade prevista a ser entregue ao contratador. Dessa forma aspirava-se a exploração sustentável, com a proteção das matas e dos interesses da Coroa.



BIBLIOGRAFIA

Prado Junior, C. (1994). História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense.


Schwarcz, L. ; Starling, H. (2015). Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras.


Tavares Rocha, Y. (2004) Ibirapitanga: história, distribuição geográfica e conservação do pau-brasil (Caesalpinia echinata lam, leguminosae) do descobrimento a atualidade (Tese de Doutorado), São Paulo, Universidade de São Paulo.


Siqueira, M. I. (2011). O Direito e o Estado no Brasil filipino: inovação ou continuidade legislativa? Jundiaí: Paco Editorial.


Vainfas, R. (2000). Dicionário do Brasil colonial. Rio de Janeiro: Objetiva.


Adolfo de Varnhagen, F. (1877) História Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Em casa de E. e H. Laemmert.

María Isabel de Siqueira (Universidade Federal do Estado de Rio de Janeiro)


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